Dia Mundial do Refugiado – Homilia de Frei Filipe

Hoje, dia 20 de junho de 2021, é o Dia Mundial do Refugiado. Não podemos deixar de lembrar os que sofrem por não poder viver a sua vida, por terem sido forçados a fugir de suas casas devido à guerra, conflito e perseguição . E, igualmente, de lembrar Aristides de Sousa Mendes cuja vida ficou marcada pela coragem de salvar e acolher tanta gente que igualmente fugia devido às perseguições de que foram alvo.
Com autorização de Frei Filipe, op. transcrevemos parte da homilia que fez na missa do Dia da Consciência, convocada por amigos e familiares de Aristides.

No ano passado, na véspera da Eucaristia que celebrámos, o Papa Francisco na sua habitual audiência das quartas-feiras, lembrou o dia e a pessoa que nós hoje também lembramos: o dia da consciência e a figura a ele ligada, Aristides Sousa Mendes.
Também por esses dias, o nosso país aprovava que Aristides Sousa Mendes tivesse um lugar no Panteão Nacional, o lugar onde ficam perpetuados os nossos ilustres.
Como capelão do Externato Marista de Lisboa fiquei também bastante agradado ao ver nas salas das turmas do secundário, uma cronologia do século XX. E em todas elas constava a fotografia deste nosso grande herói. Comprovei que não só sabiam quem era, mas o porquê de fazer parte da história do século passado. Aos poucos vai-se redescobrindo esta figura de excelência nossa conterrânea, e quem dera que ficasse lembrado não tanto pela memória de um passado, mas pela urgência em dar continuidade às suas intuições e acções, tão importantes e actuais na construção de um mundo com mais respeito e liberdade, com mais tolerância e mais igualdade.
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Fui buscar São Tomás de Aquino porque ASM tinha consciência e tinha-a bem formada. A consciência obrigou-o a contrariar leis e a enfrentar consequências nefastas para si e para os seus, mas seguiu sempre a lei mais forte, que é a da consciência. Este é o grande dilema do agir humano: que fazer em situações-limite? Muitas vezes optamos pelo mais fácil, pela não implicação, por encolher os ombros e, apesar de nos emocionarmos com as desgraças do mundo, depressa as esquecemos.
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A consciência é o centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser”. Linhas extraordinárias, mas mais extraordinário é perceber que ASM e muitos outros não se deixam levar pelo facilitismo, pela indiferença ou pela omissão.
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Tivesse ASM ficado insensível ao clamor dos milhares de judeus que lhe pediram ajuda e não seriam só as vidas deles que se tinham perdido, mas também a sua. Mas não temeu perder a sua vida para poder salvar a de muitos. Acto heróico, muito humano e muito cristão, tão tardiamente reconhecido, humanamente falando, mas sempre reconhecido, como se de reconhecimento precisasse, pela linha evangélica que traçou para a sua vida e para a sua missão.
E o terceiro aspecto que queria salientar hoje é este mesmo: como os evangelhos foram, de certa maneira, a sua regra de vida e, muito em especial, nesta tragédia humanitária que vivemos e com a qual ASM se debateu no seu tempo, que é a dos refugiados.
Esta é uma questão sensível para o mundo e também para a Igreja. O Papa Francisco tem feito um trabalho de sensibilização e proximidade com esta realidade que não nos pode deixar indiferentes. Como ele diz: não são os outros, somos nós, e o desafio é passar do eu ao nós.
Recentemente o Papa escreveu uma encíclica, inspirado em Francisco de Assis e outros, que nos convoca para um movimento de fraternidade universal e de amizade social. Em relação aos migrantes o Papa pede constantemente a prática de quatro verbos que são atitudes concretas: acolher, proteger, promover e integrar. Verbos que estiveram também presentes na vida e actuação de ASM, mesmo depois de deixar de ser Cônsul. Já em Portugal, por exemplo, vivendo em dificuldades, nunca deixaram (ele e a mulher) de apoiar os refugiados, dizendo várias vezes que “ao acolher e ajudar os refugiados era a Jesus que o estavam a fazer”.
Meus queridos amigos, há muito trabalho a fazer. Manter viva a memória de ASM não pode ficar só no ler e no falar. Passa muito pelo fazer. Fazer e ensinar a fazer. Estas gerações mais novas, (…) precisam de se deixar contagiar por este exemplo luminoso, que seguiu sempre a voz da sua consciência, que preferiu a acção em vez da omissão, que nunca perdeu a esperança nos momentos mais dramáticos da sua vida e que sempre teve fome e sede de justiça e, por isso, é chamado e contado entre os “Justos entre as nações”.
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